Segunda-feira, 11 de Outubro de 2010
UMA POSSÍVEL VIAGEM PELA IRLANDA



Depois dos primeiros dias passados em Dublin fomos buscar o carro alugado na manhã do quarto dia e seguimos à aventura para o sul da Irlanda. Passámos pelas montanhas Wicklow, cuja água dá corpo à cerveja Guinness, mas continuámos até chegar, num final de tarde, à bonita cidade de Kilkenny. Cidade pequena com aproximadamente 22 mil habitantes e com um castelo rodeado por um jardim faustoso. Kilkenny é a cidade de duas famosas cervejas, a mais conhecida dá pelo nome
Kilkenny e a outra,
Smithwick, comemora em 2010 300 anos. Lá fomos à noite provar as iguarias locais, uma cerveja de cada qualidade e o famoso guisado de cordeiro, num animado
pub onde se via um jogo de futebol do campeonato inglês. Durante as horas de luz que ainda tivemos oportunidade de desfrutar, pontuadas com alguma chuva, conseguimos explorar o castelo, as lojas de design irlandês das redondezas e as ruas da cidade. Ficámos muito bem hospedados, no
Pembroke Hotel, e quando chegámos nada tínhamos marcado, Kilkenny é uma cidade bastante acolhedora onde a simpatia das pessoas é constante.



No dia seguinte seguimos caminho e encontrámos aquele que seria o dia mais
stressante da viagem. Percorremos quilómetros e quilómetros de carro, passámos em Cork mas o ambiente urbano depressa nos cansou e decidimos continuar à procura de algo mais calmo, continuámos até ao
Killarney National Park, condado de Kerry, onde pudemos apreciar o famoso
sightseeing,
ladies view, onde, segundo reza a lenda, foi inventado o Irish Coffee para distrair a Rainha Victoria que por ali passou em 1861. As estradas na Irlanda não são nada fáceis e o perigo é eminente. Mais outra semelhança com os portugueses, muitas infracções, velocidade muito acima do indicado e estradas tão estreitas que qualquer distracção é fatal. Isto somado ao número elevado de turistas, essencialmente franceses e alemães, que não estão habituados a conduzir pela esquerda é um cocktail bombástico de ansiedade e desespero. Numa ravina, já no circuito de Dingle, estivemos em apuros devido a uma caravana germânica que seguiu caminho, na montanha, por uma estrada quase só de um sentido. Com muita diplomacia e um número acrescido de manobras por parte de alguns carros ligeiros, o americano à nossa frente lá conseguiu passar e nós de seguida conseguimos continuar caminho.



Neste dia, quando a meio da tarde chegámos à cidade de Killarney, ficámos tão desapontados que nem queríamos acreditar. Uma “Albufeira” turística, com preços de estada elevados, espeluncas a cento e vinte euros, quando a média durante a crise actual na Irlanda ronda, mesmo em Agosto, e por vezes em espaços modernos e com bom design, os oitenta euros, isto, claro, por um bom quarto para duas pessoas, sem pequeno-almoço. Em Killarney o ambiente geral festivo e veraneante, mesmo com frio, repleto de montes de gente não nos agradou nada… ficámos algo inquietos a pensar onde iríamos passar a noite… Depois de mais um percurso no qual os nossos nervos começavam já a dar de si lá desembocámos na agradável cidade de Kenmare onde comemos talvez o melhor jantar de todas as férias. O repasto do D’Arcy, com ostras e salmão, estava delicioso, levantou-nos a moral e preparou-nos para a noite num minúsculo
Bed & Breakfast da localidade. No dia seguinte partimos logo cedo, pelas nove da manhã, depois de solicitarmos à senhora da casa o pequeno-almoço continental. Embora o pequeno-almoço típico irlandês, como apregoam os postais ilustrados à venda nos quiosques, consista numa dose de ostras com uma Guinness, existe uma versão mais conhecida que, nessa manhã, tivemos oportunidade de cheirar à nossa volta. O aroma das salsichas, dos ovos, do
white & black pudding e do bacon com que duas francesas se deleitavam logo com os primeiros raios de luz da manhã embateram contra as nossas narinas acabadas de levantar. Uma mistura muito agressiva que os turistas em geral parecem adorar.



A travessia pela península de Dingle revelou-se magnífica, encontrámos um café com vista para aquilo que chamámos a espinha dorsal de um grupo de dinossauros a erguerem-se do oceano, ou seja, um aglomerado de cadeias rochosas. A viagem de carro vale mesmo a pena pois permite a visualização de paisagens estranhas, místicas e ensombradas, escarpas imponentes sob o mar que realçam a vegetação local que se vai alterando consoante vamos percorrendo a estrada. A luz irlandesa está sempre em mutação, as nuvens trespassam o solo e permitem vislumbrar as espécies vegetais através de inúmeras intensidades. Há algo de profundamente estranho e poético naquele solo. Um filme como
The Field (
Esta Terra é Minha,
Jim Sheridan, 1990) expressa bem a obsessão e a paixão pela terra que os irlandeses parecem nutrir. Filmado um pouco por toda a Irlanda o filme apresenta a saga trágica da família McCabe tendo como plano de fundo a geografia e as paisagens terrestres. Seguimos em direcção à cidade de Limerick, a terra da infância e juventude de Frank McCourt, depois do regresso dos Estados Unidos e antes de voltar a partir para a América, anos de pobreza extrema, duros e cheios de angústia. Não entrámos na cidade industrial e continuámos para Shannon.
Nessa noite dormimos nos arredores de Shannon, num curioso e bizarro hotel de estrada, o
Oak Wood Arms, um paraíso para alguns americanos, citado no guia Michelin, com um restaurante onde a dose mais pequena dava para quatro pessoas e onde se conseguia fazer uma
paella dos diversos pratos do menu, entre as
chicken wings, as pastas de frutos do mar e afins, tudo misturado, uma delicia farta e nada o meu género mas que de vez em quando sabe muito bem. Com muita descontracção, regados por um excelente vinho australiano, ouvimos música ao vivo e divertimo-nos a comentar a fauna
sui generis do local.



No dia seguinte fomos em direcção a Ennis para ver os
Cliffs de Moher, um conjunto de falésias onde a terra irlandesa se interrompe abruptamente despenhando-se no Oceano Atlântico. O aglomerado tem um torreão onde se pode apreciar a vista e o passeio, magnífico, pode demorar uma ou duas horas. Os carros devem ficar estacionados a um quilómetro e os turistas são imensos e de várias proveniências. Depois, passámos por Galway e chegámos a
Clifden, a maior cidade da zona de Connemara, condado de Galway, uma “vila” muito simpática, com muita gente jovem e um ambiente geral muito descontraído. Infelizmente não arranjámos dormida aceitável em Clifden e por isso acabámos num retiro campestre bom mas algo insólito, perto de Westport.



Nessa noite, num hotel com pretensões luxuosas, com golf nas redondezas, em pleno campo, tivemos oportunidade de apreciar um ambiente do mais suburbano que se possa pensar. Fomos servidos por uma húngara bastante simpática mas a sala de jantar estava preenchida maioritariamente por famílias rurais que usavam essencialmente o restaurante como bar e local de convívio. Já depois de jantar rimos às gargalhadas com um camionista que chegou ao lugar de tractor, com música aos altos berros, e ali foi beber um copo e fumar uns cigarros. No conjunto era tudo tão insólito, entre uma atmosfera design e os modos rudes e brutos, que achámos o lugar pretensioso. O quarto que nos deram tinha vários problemas de ruídos, máquinas da cozinha e quadros eléctricos mal colocados, no entanto, cheio de mobiliário chique e tecidos nobres, ocultava de facto o conjunto mal amanhado geral. Este
cocktail pode ser encontrado no Westport Country Lodge Hotel
aqui.



Na zona de Mayo, à procura de um
lodge recomendado na revista da companhia aérea
aer lingus, com a qual viajámos, numa entrevista com a irmã do actor Daniel Day-Lewis,
Tamasin Day-Lewis, escritora na área da gastronomia, com inúmeros livros publicados e uma coluna semanal no
The Daily Telegraph, entre outros jornais e revistas para os quais escreve, encontrámos a vila de
Cong, perto do
Ashford Castle, um castelo e um lago inesquecíveis. Um dos lugares mais bonitos onde estivemos. Dormimos numa confortável pensão
Bed & Breakfast, típica, com um restaurante muito procurado e popular na zona. Em Cong foi filmado
The Quiet Man (John Ford, 1952). No dia seguinte visitámos o Parque de
Connemara com uma interessante exposição sobre o desaparecimento progressivo dos pântanos na Irlanda. Um passeio recheado de surpresas que nos levou até a um dos sítios mais maravilhosos onde estive na vida, o mosteiro de Kylemore,
Kylemore Abbey, Castle and Gardens, construídos no final do século XIX. Com três “dinastias” distintas, a história romântica que está na origem do mosteiro e do castelo (Mitchell & Margaret Henry), a decadência que toma conta da segunda fase (Duque e Duquesa de Manchester) e, finalmente, a compra pela comunidade de freiras beneditinas, nos anos vinte do século XX, tornam este local num sítio de visita obrigatório. Um lugar com uma aura muito forte que me fez pensar nos templos japoneses que visitei há quase dez anos. Mais informações sobre toda a narrativa histórica de Kylemore Abbey
aqui.






Depois de Kylemore fomos visitar a Achill Island onde ficámos uma noite instalados num simpático hotel de estrada, parecia que tínhamos remontado há alguns anos,
demodé e já algo decadente, recordou-me alguns lugares onde fiquei na Hungria há quase vinte anos, com uma vista sobre a ilha bastante boa e uma sala de jantar com molduras
kitsch e cortinas de motivos floridos. A ilha é mais um paraíso para os surfistas e a atmosfera
freak e
seventies parece fazer as delícias dos alemães. Com a tenda de circo colorida, o tempo ameno e cinzento a pontuar uma paisagem que mistura praia, couves, patos e vacas entre caravanas de turistas sente-se uma paz estranha e inquietante.



Partimos em direcção a Dublin, a pensar que já tínhamos visto tudo mas eis que, entre placas e vegetação na estrada, depois de muito procurar e com vontade de ficar uma noite no campo, calmos e tranquilos, antes de voltarmos à cidade, nos lagos, encontramos o melhor retiro possível, o
Cromeleach Lodge, um antigo
Bed & Breakfast convertido em lugar de charme com uma vista sob os lagos, um verdadeiro esplendor que encontrámos por puro acaso, entre a má sinalização e a sorte. Na manhã seguinte, a dona do
lodge, Moira, que é também a senhora que que dá nome ao afamado restaurante desde hotel, vem à mesa do pequeno-almoço apertar a mão a todos os clientes o que me provocou uma forte gargalhada pois pensei que era uma velhota louca. Foi uma boa despedida da Irlanda rural que nos provou que tínhamos encontrado uma ínfima parte do que haveria para ver num país onde a monumentalidade não faz parte da paisagem e onde atrás de cada esquina pode estar o paraíso mais deslumbrante, um castelo, um lago, uma vista maravilhosa, basta perdermo-nos por lá, ao sabor da aventura.


De Maria do Carmo Piçarra a 11 de Outubro de 2010 às 11:19
Viagem fantástica! eu e o ZC adoramos viajar assim, sem nada planeado, integrando as coisas más, vibrando com as surpresas boas. Acho que ter espírito de viajante é isso mesmo :). Belo texto e fotos.
De
mouseland a 11 de Outubro de 2010 às 13:28
:mrgreen::mrgreen::mrgreen: Obrigado Carmo. Nós viajamos sempre assim salvo raras excepções em países onde é impossível. Adoro a sensação de manutenção da sobrevivência assim pela estrada fora, uma liberdade cada vez mais difícil de encontrar. beijos e até breve, xxx mouse
Olá apeciei imenso o trabalho da tua página, parabéns! Eu também escrevo em blogues pois é muito gostoso!
Os meus hobbies são trabalhar na net , e jogar poker online, ontem arranjei um bónus grátis para jogar poker num blogue, penso que o endereço seja este http://www.bestpokernodepositbonus.blogspot.com/ !
se puderes pôe ferramenta de tradução no teu blogue!
cumps
Como estás?, dei uma olhadela a tua pagina e amei muito, estás a trabalhar muito bem!
Continua com o boa escrita que tens!
abraço
oi, possuis um blogue fantástico, gostei de o ler, e mais uma vez aqui venho pois como estamos na altura do natal Feliz Natal, e que para 2011 venham muitas postagens para todos páginas online, sendo estes os votos de felicidade dos webmasters!
Bom Natal e um ótimo ano novo
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