Sexta-feira, 25 de Agosto de 2006
“TOUR DE JEU” COMUNICAÇÃO MEDIADA PELA ESCRITA
Descobri recentemente num artigo sobre a temática “jogos de adultos” de
Manuel Boutet, doutorando em sociologia da Universidade Paris 10-Nanterre, um site francês exclusivamente dedicado aos jogos por e-mail. Os jogos propostos em
Tour de Jeu são herdeiros dos jogos por correspondência postal (JpC) que existem há imenso tempo de forma discreta. A possibilidade de jogar uma partida de xadrez, batalha naval ou outros, à distância quando os jogadores estão em localizações geográficas diferentes torna-se evidente quando cada um destes jogadores envia, por correio, a sua jogada tendo um “tabuleiro” onde assinala as jogadas dos dois ou mais participantes. Hoje em dia esta possibilidade é ampliada em termos de velocidade pela utilização da rede e do e-mail sendo que os jogos propostos podem ser inúmeros: estratégia, jogos de
roleplaying, simulação, etc., com temas históricos, humorísticos, realistas ou outros. O truque que possibilita estas interacções é que os jogadores não jogam em tempo real, ao mesmo tempo, mas à vez,
tour par tour. As qualidades requeridas aos jogadores pelo portal de jogos francês por correspondência são explícitas: paciência e assiduidade. As principais vantagens apresentadas: liberdade (joga-se quando se tem tempo embora ao seleccionar o tipo de jogo em que se entra se deva fazer uma estimativa do tempo de envolvimento que se pode dar ao jogo) e ambiência (uma partida dura por vezes meses). O aspecto de conexão “à vez” dos jogadores, contrário à maioria dos jogos on-line, permite um maior tempo de reflexão e de expressividade criativa em que o jogador tem que mostrar regularidade, perseverança, paciência e bom senso.
De rafgouv a 28 de Agosto de 2006 às 10:38
Oi mouse,
podes-se jogar de outra forma que não "à vez"? Eis a questão que me colocava quando falámos da "pausa" e do facto de quanto a mim ela representar a essência temporal do jogo...
bjo
Raf,
Acho que aqui neste caso faz parte das regras jogar à vez... não pode ser de outra forma porque as regras assim o legislam. Mas então o que queres dizer é que achas mais interessante que exista um tempo de pausa onde o jogador pode reflectir sobre as suas jogadas? Não tinha percebido isso... se é isso acho que até posso concordar que em alguns jogos esse tempo de pausa é imprescindivel mas nos jogos de acção isso é impossível... tenta lá fazer pausa quando tentas bater um record de space invaders e ainda perdes o score e tens que voltar ao príncipio... depende dos mecanismos de jogo e das regras... nalguns casos é possível noutros não, parece-me.
XXX rato:smile:
De rafgouv a 29 de Agosto de 2006 às 08:24
O que queria dizer ou sugerir é extremamente simples ou até se calhar básico mas parece-me extremamente importante. A ver se me consigo fazer perceber:
- um filme vê-se uma vez, um livro lê-se uma vez, uma sinfonia ou um disco ouvem-se uma vez (pode-se repetir a experiência mas será sempre basicamente a mesma experiência e é apenas eventualmente o teu julgamento que muda) ; um jogo no entanto é feito para ser jogado várias vezes (o que aliás o título da tua tese sugere de forma luminosa)...
- um dos critérios da embrionária crítica de jogos é a "duração de vida" do jogo; ora esta "duração de vida" não corresponde à duração da narrativa mas antes à capacidade do jogo de nos captivar (de nos fazer lá voltar) mesmo depois de termos cumprido os objectivos principais (mesmo depois de termos ganho), à capacidade do jogo para nos fazer jogar "outra vez"...
- jogar é uma actividade serial (uma "série" de gestos) e logo "intermitente" (há uma alternância de estados "dentro" e fora" do jogo) - paralelo interessante com as sequências digitais (como se o jogo fosse a priori algo de digital ou com "predisposição" digital)...
- na ideia de jogo não devemos perder de vista
De rafgouv a 29 de Agosto de 2006 às 08:31
- na ideia de jogo não devemos perder de vista a ideia de "partida" que contém explicitamente essa ideia de intermitência... Assim, o "Space Invaders" como, penso, todos os jogos contém também essa alternância entre o "dentro" e o "fora", o estado de "acção" e o estado de pausa: basta pensarmos no momento "entre 2 vidas"... É neste sentido que provocatoriamente perguntava se se pode jogar de outra forma que não "à vez"...
- quando digo que esta "intermitência" me parece essencial é no sentido em que, talvez, seja uma das caracteristicas que permitem identificar a figura do jogador [separa o jogador recreativo do jogador aditivo (da mesma forma que separa o drogado "recreativo" do tóxicodependente) ou profissional...] e, ainda mais importante, introduzir uma fronteira fenomenológica entre o "jogo" e outras artes narrativas/ temporais.
xxx rafael
Olá Raf,
Realmente acho que temos que distinguir umas coisinhas. A arcada impossibilita o tempo de pausa porque a arcada como interface se impõe através de um esquema comercial de acção curta. Quanto mais curto for o teu round mais rapidamente a máquina capitaliza mais uma moedinha. Nesse sentido, as arcadas providenciaram acções curtas e que se baseavam num "jogar outra vez" pois jogar outra vez significa mais $$. O contrário desta estratégia é adoptado hoje pela consola ou pelo jogo de Pc de um prisma meramente comercial. Neste caso, foi necessário criar um formato que acentuasse a narrativa pois normalmente tens menos apetência para "jogar outra vez" uma história nomeadamente se ela envolver suspense, etc., e assim rapidamente vais à loja buscar outro título que te conte outra história. Estes aspecto, é fundamental para percebermos algumas questões estruturais do medium. Os jogos de acção são mais aditivos? Onde se situa esse "jogar outra vez", no corpo ou na interpretação narrativa? Como dizes a única variante num filme ou num livro é a interpretação que fazemos dele enquanto que nos jogos podemos jogar "variações sobre temas diferentes" cada vez que acedemos ao mecanismo. Por vezes fazemos uma sequência outra vez outra, actualizamos percursos e caminhos que não tínhamos explorado.
Ainda ontem li uma frase do Alexander Galloway que dizia precisamente que o acto de pausa está ausente da arcada. Mas tu colocas boas questões. A questão do filme ou do livro volta a colocar-se quando se acentua o lado narrativo mas existe sempre no jogo uma mediação entre narrativa ou acção, jogabilidade e regras. Cada vez que o jogador joga actualiza uma sequência nova. Cada partida é um happening diferente.
Quanto à questão da duração da vida temos outro "problema". Uma coisa é a duração da narrativa que descreve o percurso de jogo de determinado jogador outra coisa é a narrativa proposta pela estrutura e que muitas vezes apenas os jogadores muito competentes a ela acedem. Logo ao escrever para estes suportes o argumentista deve conceber o sistema como um conjunto de mini-narrativas possíveis, ramificações e caminhos que se podem ou não tomar.
Quanto à alternância de estados tens plena razão mas tb depende das situações. Existe o espaço diegético de jogo (dentro) mas também um conjunto de acessórios (livros de regras e revistas da especialidade e sites de cheats e afins) que fazem parte de um espaço não diegético (fora) do jogo mas que co-existem com este. Existem, ainda, actos maquínicos não diegéticos (erros de processamento, menus de configuração, etc.) que estão também fora da acção e da narrativa de jogo mas que com elas se relacionam... eu não diria que jogar é uma actividade serial mas também podes formular assim... para mim seria antes uma actualização de um algoritmo construído através de códigos e linguagens matemáticas... mas esta parte é subjectiva.
Quanto ao Space Invaders não concordo pois parece-me um purismo dizer que há espaço de pausa entre duas vidas. Lembras-te quando fui recordista no site da Neave do space Invaders? Que pausa!?? Aquilo não dá para fazer nada quando se joga nem ir à casa de banho... não tem a ver com vício é o mecanismo de jogo que não o permite e, como referes, o jogador adapta-se à máquina, o que fazemos nós enquanto jogadores senão adaptar-nos ao movimento da máquina, o nosso corpo segue as directrizes da interface.
xxx rato
De rafgouv a 30 de Agosto de 2006 às 09:06
Olá,
Penso que a utilização da palavra "pausa" (mea culpa) introduz uma certa confusão. Não se trata aqui de "pausa" mas antes de "intermitência".
A ideia de "round", de "partida" implica forçosamente essa intermitência... Quanto mais curta é a acção, mais depressa vem a sua interrupção, né??
Penso que não é muito pertinente separar neste âmbito a arcada do PC, excepto no que toca à repetitividade das sequências... A análise histórica que fazes da passagem da arcada ao PC parece-me correcta mas focalizas-te demasiado nos jogos de aventura... Penso que esse formato de jogo essencialmente narrativo está bastante caduco: a narrativa é cada vez mais um simples pretexto para o desenvolvimento/ diversificação dos dispositivos lúdicos (cf. GTA, Resident Evil IV, Beyond Good & Evil, King Kong...) ou um simples ponto de partida (uma espécie de décor) onde o jogador pode agir/narrar como lhe apetecer (Animal Crossing, Sims, etc.). Ou seja, para responder à tua questão penso que o "joga outra vez" não se situa nunca na "interpretação narrativa", aliás tal não nos permitiria diferenciar o jogo das outras artes narrativas/ temporais (mas não penso também que a "adição" se situe exclusivamente "no corpo")...
Não percebo em que é que a questão da "duração de vida" coloca um problema suplementar... Mais uma vez focalizas-te apenas nos jogos mais imediatamente "narrativos"... A questão da "duração de vida" não tem apenas que ver com os percursos ou atalhos escolhidos mas também com os "níveis", sejam eles simplesmente espaciais (passar de uma sala/zona a outra), hierárquicos (o nível de dificuldade) ou mistos (o que é mais frequente nos jogos de aventura - à medida que avanças no jogo a dificuldade aumenta - mas não por exemplo nos jogos de desporto)...
A referência aos meta-media parece-me desajustada... Esses meta-media existem para todas as disciplinas. Não percebo como é que poderiam não co-existir com ele... Mais importante me parece a presença dos menus de configuração ou da presença no interior do jogo de outros "media" - livros, links internet (cf. In Memoriam), mail - mas tal induz precisamente a intermitência de que falava.
Por fim, em relação à "pausa" (e repetindo que o termo "pausa" que utilizei não me parece acertado) ou suspensão do jogo entre 2 vidas, lembro que os jogos de arcada se articulam em "partidas". Normalmente em cada partida, dispões de 3 ou 4 vidas... Mantenho que há um tempo de "suspensão" entre cada uma das vidas (por vezes tens de recomeçar tudo, por vezes repartes de um nível intermédio).
xxx raf
Olá Raf,
Posso assinalar apenas que não concordo com algumas coisas que dizes que eu considero:
- acho que fica claro sobre o que tenho vindo a escrever que pressuponho, em matéria de géneros, que todos eles estão enquadrados numa categoria que considero simulação (de maneira nenhum me centro nos jogos de aventura ou narrativos e até contrario imenso a maioria das classificações que separam a simulação como categoria específica); Todos os jogos são simulações.
- Não dou mais importância à narrativa nem sobre a acção nem sobre mecanismos semióticos, penso que esta questão se torna evidente em posts e comentários que tenho vindo a fazer;
- compara a proliferação de textos explicativos (sem ser críticos, claro!), walkthrough's e sites de fãs e comunidades associadas nos videojogos aos sites sobre filmes e séries de TV... penso que é exemplificativo da importância da meta-linguagem neste medium. De qualquer forma, e adoptando a concepção de narrativa transmedial o que vai tender a acontecer no futuro, parece-me, é que estes documentos estarão tb associados a filmes e séries, variantes do tema narrativo trabalhado em objectos díspares, situações do tipo Matrix reload (animatrix, enter the matrix, matrix reload);
- em relação à duração da vida: na arcada a questão remete-nos para a ideia de "vidas". Temos um número restrito de vidas no Space Invaders ou no PacMan; no Pc ou na consola trata-se mais da saúde do avatar, de Pain Killers (formas de prolongar deste); é claro que estas questões têm que ser vista caso a caso e qualquer generalização é suspeita ainda para mais numa altura em que as consolas editam títulos noutros tempos apenas disponíveis em Pc e vice-versa;
Mas por favor não assumas que eu achou ou digo coisas que não digo,
xxx rato
De rafgouv a 1 de Setembro de 2006 às 09:37
- "Todos os jogos são simulação." Não: quando muito, todos os jogos vídeo contêm uma parte de simulação...
- a questão da meta-linguagem é apaixonante mas... uma coisa é a meta-linguagem (sobre algo), outra coisa são as "variantes" (paralelas) que evocas... Uma das modalidades é forçosamente a posteriori (não podemos escrever sobre um jogo - mesmo se podemos escrever sobre o seu projecto - antes deste existir) enquanto a outra pode perfeitamente ser a priori (não sei se isto é compreensível).
Boa tarde até breve xxraf
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